SOBRE O AUTISMO E A AUSÊNCIA DE METÁFORA
(DO ARQUÉTIPO NARCÍSICO PRIMÁRIO EM DIREÇÃO AO ARQUÉTIPO
DO SELF)
G. S. Sarti
ATENÇÃO - ATTENTION – ATTENZIONE - ACHTUNG:
o autor deste ensaio é parapsicólogo e não expert no
assunto “autismo“, embora muita atenção tenha sido dada
por ele ao estudo amplo e cronológico do “autismo“.
Pessoas abalizadas, nas áreas das ciências
neuro-psicoterápicas e pedagógicas, foram consultadas e
não manifestaram nenhuma indisposição profissional com
relação ao tratamento dado aqui ao tema central, muito
ao contrário.
O conceito de “autismo“, formulado por Leo Kanner em
1943, aproveitando termo original de Bleuler e Freud, é
aqui estudado de forma muito geral e com as
especificidades casuísticas sendo praticamente
abandonadas. Por isto, talvez possa situar-se na esfera
de uma “filosofia do autista“.
Junho /
Maio de 2011
“As palavras ou a língua, escrita ou falada, parecem não
ter função alguma no mecanismo do meu pensamento. As
entidades psíquicas servindo como elementos no meu
pensamento, são certos signos e imagens, mais ou menos
claros, que podem ser reproduzidos e combinados
intencionalmente (voluntarily). Naturalmente, há
certa conexão entre esses elementos e conceitos lógicos
relevantes. É claro, também, que o desejo de alcançar
conceitos logicamente interligados constitui a base
emocional desse jogo bastante livre (rather vague
play) com os elementos acima mencionados. Contudo,
do ponto de vista psicológico, esses jogos combinatórios
parecem constituir o aspecto essencial do pensamento
produtivo – antes que surja alguma ligação com
construções lógicas verbais, ou outra espécie de signos
que possam ser comunicados a outros”.
Albert Einstein
Com “A Máquina de Abraçar”, peça teatral de José Sanchis
Sinisterra, protagonizada por Mariana Lima, esta pôde
sintetizar, sobre sua personagem autista, a concepção
“... o autista não faz metáfora”.
Como é de amplo conhecimento, a metáfora, é um dos dois
elementos essenciais na formação da linguagem, junto à
metonímia. As duas são as formas complementares da
formação do inconsciente lingüístico de Lacan-Jakobson,
consideradas as condensações metafóricas por
similaridade e os deslocamentos metonímicos por
contigüidade, do inconsciente freudiano. São as duas
formas da associação livre verificada por Jung.
Não absorvida pela criança, qualquer que seja a suposta
causa orgânica clássica e paralela, a linguagem completa
do desejo do Outro, ou a linguagem materna, ou do
Supereu inconsciente, dominador sobre e pela criança
desenvolvendo-se em geral na sua completude articulada e
reprimida, metafórico-metonímica, o autista, ao
contrário, é, unicamente, o desejo puro do Outro, a
intenção “alheia”, sem a linguagem materna
intermediária, e está imerso no mais puro inconsciente
do autocrático Supereu, este sem repressão e outros
mecanismos secundários de defesa.
É a metonímia lacaniana, que isoladamente, sem a
metáfora, não se situa no registro do Simbólico e é a
manifestação fundamental básica do Desejo estruturado no
Inconsciente l
O autista, estando além da ordem simbólica e da
linguagem, não forma o Eu sob a repressão imposta pelo
Supereu. O Eu não surge e o autista está fundido
telepaticamente ao desejo do Supereu, o que não sofre
repressão por ser biologicamente exterior (opinião
público-social).
Entretanto, o autista é um ser, bio-cerebral local
dentro da atmosfera quase não-local mental do Supereu,
mais próximo do Self transpessoal e coletivo da
psicologia profunda do Jung que do self psicanalítico de
Hartmann e Kohut ou do selbst de Freud.
E assim, nesta atmosfera externa, telepática e empática,
um ser único e isolado, estará exposto a todo tipo de
influências, desde os desejos do Outro às informações
fragmentadas (embora individualmente pré - articuladas
pela síntese-memória-pré consciência Pcs) mas
aglutinadas nestes desejos. Neste sentido, o autista é
um telepata, extraordinariamente conhecedor do que está
além de si, do que está fora das incapacidades
perceptivas dos seres conceituais, reprimidos e falantes
como nós. O autista é espacial. Esta é sua
especialidade.
Toda a seletividade e percepção parcial autística da
informação fragmentada mas aglutinada no desejo geral
torna-se decorrência da não funcionalidade paranormal em
termos de complemento bio-cerebral atual, haja vista que
o recrutamento neural, cortical, dispararia e
desorganizaria totalmente a atividade eferente, tal como
a hiperatividade que os acompanha, em geral, e que
resulta em comportamentos estereotipados e repetitivos,
como forma automática em circuito de “auto”- controle,
equilíbrio e homeocinese .
Em síntese, o autista é localmente cerebral imerso em um
conjunto mental não-local para ele (ou quase - não local
no sentido físico). Deve ser dito que a não-localidade
envolve o tempo, também não-local e, neste sentido, o
autista é também precognitivo / psicocinético, dentro do
sistema em que se encontra.
No mínimo, o autista é um ser humano quântico e poderia
ser endeusado e “ouvido” em seu mutismo expressional. A
difícil aquisição da linguagem materna o transformaria
em um psicótico. Mas, como ouvi-lo enquanto ele mesmo?
O que nos seria revelado?
Em outros termos, a associação por contigüidade
prevalece sobre a associação sintética por semelhança, e
os objetos da mente autística são sempre parciais e
seletivos das informações individuais simbolicamente
articuladas (pré-conscientes próximas do sistema Cs) que
estão desagregadas entre si mas metonimicamente
suspensas ou suprimidas no desejo do Outro e não pelos
mecanismos repressivos do ego.
A expressão interna do autista torna-se, assim,
impossível de ser formulada por ele, de maneira
inteligível para os “falantes conceituais” sob repressão
e mecanismos secundários de defesa do ego (articulações
lógico - lingüísticas).
Neste sentido, o autista estaria além das nossas
possibilidades de conceituação. Habituais.
A introdução forçada e repressora, através da educação
e da terapia, da metáfora associativa, em uma matriz
autística dela desprovida, (muito difícil de ser
alcançada), e uma conseqüente erupção do sujeito oral,
de tal forma que possibilite a prova de realidade ao
ego-consciente, repito, a pretensa “cura” clássica de
uma característica em ascensão, não deverá ter outro
destino que não a psicose. Lacan deixa isto
parcialmente claro em Écrits, “D’une Question
Préliminaire à Tout Traitement Possible de La Psychosis“,
pág. 577, traduzida por Nasio, J.D. em “La Forclusion
Locale: Contribution à la Théorie Lacanienne de la
Forclusion“ como sendo: - “Para que a psicose se
desencadeie, é preciso que o Nome do Pai, foracluído,
jamais vindo no lugar do Outro, seja chamado aí em
oposição simbólica ao sujeito”. (Talvez esta descrição
lacaniana possa ser melhor compreendida sob o nome de
‘psicose simbiótica’)
A predominância marcadamente metonímica no autismo,
impeditiva das associações por similaridade e do
vislumbre da prova do Real, conduz o autista a viver o
inconsciente puro, saltando para cima um sujeito
completamente narcísico e primário, sem noção da dor
biológica e da sobrevivência (não deverá sentir nem a
dor biológica nem a necessidade, do Outro). Por isso
aparenta frieza e desprezo expressionais e
inadaptabilidade social.
Um esquema psicanalítico mental de referência seria:
→ ID → EGO →→→ ← SUPEREGO
↓ ↓ ↓
−−− −−−−−− SELF-OBJETO−−−−−−−−−−−
O esquema da mente autista seria como a seguir:
→→ ID PRÉ-NATAL→→→→ ← SUPEREGO
↓
↓
↖
−−−−−−−−−OBJETO−−−−−−−−−−−−−−−−SELF TRANSPESSOAL
UNIVERSAL NÃO - LOCAL −−−− VÁCUO i
Esta característica espacial, que está sendo considerada
uma “capacidade superior”, pode ser descrita, do lado de
fora, por nós, como perceptiva e transgressora da 2ª
ordem das informações coletivas do inconsciente tirânico
superegóico e mais além, na direção de uma 3ª ordem
ditada pelo arquétipo transpessoal. Para mais, só
poderá ser encontrada a gama infinita de símbolos ao
acaso, informações e probabilidades quânticas, que pode
ser considerada como um nível adimensional a que
normalmente ou conceitualmente não se teria acesso pela
ausência de qualquer sistema que seja, nem mesmo
associado ao desejo e que poderá ser confundido com o
vácuo.
Traçando uma analogia futebolística, “o autista é um ser
que, estando em um jogo de futebol, desconhece as regras
do futebol, é o objeto do desejo da torcida, sabe tudo o
que está suprimido dentro deste desejo, inclusive o
resultado do jogo, mas não o revela, por desconhecer
suas regras”. E, por desconhecê-las, as supera.
Devemos acrescentar, finalmente, que o conteúdo deste
ensaio tem respaldo concreto em alguns aspectos
científicos pontuais, mas dignos de consideração,
tais como:
A-
O conceito de mãe-geladeira de Kanner, associado à
síndrome, tomado, não no sentido da frigidez materna,
mas no da ausência de intermediação lingüística entre a
mãe e o filho. Ao contrário, o chapamento amoroso entre
ambos prevalece sobre a interlocução e a ordem simbólica
completa e, fica claro que o desejo materno de
inseparabilidade é fundamental. Talvez tenha-se que
rever muito sobre o desejo feminino de ter um filho e
sobre a própria natureza psicológica da mulher.
B-
O desempenho e o interesse superiores dos autistas nos
testes psicométricos não-verbais de alta performance e
criatividade (conforme Butcher) de Wechsler. Mais
especificamente, seus rendimentos elevados em WAIS III e
WISC III, para Cubos e Percepção Tridimensional
(provavelmente incluindo raciocínio matricial em
Wechsler).
C-
A não aplicabilidade, óbvia, dos testes verbais de Binet
- Simon e suas variantes alpha e beta Stanford - Binet
para as forças armadas norte-americanas, como formas de
mensuração de QI dos autistas. Os novos tipos de testes
psicométricos, introduzidos por Spearman para gradação
de um fator G de inteligência geral, e suas variações de
Cattel e Raven - matricial, são fortemente criticáveis,
como por exemplo em Gardner - 1993 sobre “gênios”
(gifted), ou por não detectarem habilidades intelectuais
específicas ou por não considerarem a memória de longo
prazo, elementos altamente desenvolvidos nos autistas.
Treffert, em 2009, em suas pesquisas sobre as Savant
Disorders, encontrou que 50% dos sábios savants
(conhecedores isolados muito específicos) são autistas,
com inegáveis capacidades artísticas, espaciais e
mnemônicas, ou pré-conscientes de informações.
Treffert, pondo o autista como elemento único de sua
atenção, encontrou que 10% deles apresentam inequívocas
habilidades de sábios savants. O enfoque de Treffert é
marcantemente fenomenológico, colocando o autista como
entidade psíquica única dentro do universo das
possibilidades mentais.
D-
A plena concordância com as abordagens neurobiológicas
de Hutt e Hutt, de 1964 a 1970, sobre o chamado
“hyper-arousal approach”, o superdesenvolvimento
neural fetal, a participação sistêmica da ativação
reticular ascendente como contato pouco seletivo do
pobre ambiente amniótico e a ausência consentânea de
estimulação precoce, basicamente com hipervalorização
dos batimentos cardíacos e sons maternos e das
décalages e encapsulamentos DIP com possível sofrimento
fetal (ou embrionário), e introjeção superlativa dos
estímulos ex-utero e do próprio exterior abdominal. A
superinclusão informacional deste feto designa um canal
espacial tipicamente telepático com o exterior e
provavelmente, com a própria mente materna (canal aberto
ou channeling). Seria como um ente local receptivo –
perceptivo do conteúdo hiperdimensional da bolha
hiperesférica materna que o contém e com a qual está
unido pelo desejo exclusivo da mãe.
E-
A sugestão de Hutt e Hutt de evitação (avoidance) de
mecanismos externos supressores ou repressivos da livre
manifestação autística, como tentativas errôneas de
“curá-los”.
F-
A evidência histórica e, algumas vezes hipotética, de
que gênios - gifted publicamente festejados com alto
desempenho como, Newton, Joyce Everett III, Wiener,
Michelangelo, Chico Xavier, Wittgenstein Mozart,
Majorana, Garrincha, Dirac, Kubrick, Darwin, Thomas
Jefferson etc., e o próprio Einstein, foram ou teriam
sido autistas Asperger - Kanner de alto funcionamento.
E, não devemos esquecer que na ordem do tempo:
“O fluxo do tempo é uma ilusão aborrecida e persistente“
Albert Einstein - AE.
CITAÇÕES E REFERÊNCIAS PERTINENTES AO TEXTO
SOBRE O AUTISMO E A AUSÊNCIA DE METÁFORA
(DO ARQUÉTIPO NARCÍSICO PRIMÁRIO EM DIREÇÃO AO ARQUÉTIPO
DO SELF)
Por G.S.Sarti
Extraído de “Análise do Self“, de Heinz Kohut – Imago
Editora – 1988.
1 – “O tema do narcisismo, isto é, da catexia do self
(Hartmann) é bastante vasto e importante, uma vez que se
pode com razão dizer que se refere à metade do conteúdo
da mente humana - a outra metade constituindo,
naturalmente, os objetos“.
2 – “... as noções de self, e por outro lado, de ego,
superego e id, bem como as de personalidade e
identidade, são abstrações que pertencem a níveis
diferentes de formação conceitual. O ego, o id e o
superego são os componentes na psicanálise de uma
abstração específica de alto nível, isto é, distante da
experiência: o aparelho psíquico. Personalidade, embora
muitas vezes útil no sentido geral, como identidade, não
é inerente á psicologia psicanalítica; pertence a uma
estrutura teórica diferente, que está mais de acordo com
observação do comportamento social e com a descrição da
experiência (pré-consciente) da própria prova na
interação com os outros do que com as observações da
psicologia profunda“.
3 – “O self, entretanto, surge na situação psicanalítica
e é conceituado na forma de uma abstração psicanalítica
de um nível relativamente baixo, isto é, relativamente
próxima à experiência, como um conteúdo do aparelho
mental. Embora não seja, dessa forma, uma instância da
mente, é uma estrutura dentro da mente, pois a) está
catetizado com energia instintiva e b) tem continuidade
no tempo, isto é, é duradouro. Sendo uma estrutura
os´quica, o self tem também, além disso, uma localização
psíquica. Mais especificamente, várias – e
freqüentemente inconsistentes – representações do self
estão presentes não somente no id, no ego e no superego,
mas também dentro de uma única instância da mente.
Podem existir, por exemplo, representações
contraditórias do self, conscientes e pré-conscientes –
por exemplo, de grandiosidade e inferioridade – lado a
lado, ocupando locais delimitados dentro do ego ou
posições setoriais na esfera da psique na qual o id e o
ego formam um contínuo. O self, assim, bastante análogo
às representações dos objetos, é um conteúdo do aparelho
mental, mas não é um dos seus constituintes, isto é, não
é uma das instâncias da mente“.
Extraído de “Vocabulário da Psicanálise“, de J.
Laplanche e J.– B. Pontalis – Martins Fontes Editora –
1977.
1 - “Mais tarde, com a elaboração da segunda tópica
Freud exprime pelos termos ‘narcisismo primário‘
sobretudo um primeiro estado da vida, anterior até à
constituição de um ego, e de que a vida intra-uterina
seria o arquétipo (4). A distinção entre o
auto-erotismo e o narcisismo é então suprimida. Não é
fácil ver, do ponto de vista tópico, o que é investido
no narcisismo primário entendido desta forma.
Esta última acepção do narcisismo primário prevalece
correntemente nos nossos dias no pensamento
psicanalítico, o que resulta numa limitação do
significado e do alcance do debate: quer se aceite ou se
recuse a noção, designa-se sempre assim um estado
rigorosamente ‘anobjetal‘, ou, pelo menos
‘indiferenciado‘, sem clivagem entre um sujeito e um
mundo exterior“.
(4) Freud. S.- Vorlesungen zur Einfübrung in die
Psychoanalyse , 1916-1917.
2 - “J. Lacan procurou recentrar a descoberta freudiana
na noção de desejo e recolocar esta noção no primeiro
plano da teoria analítica.
Nesta perspectiva, foi levado a distinguir noções com
que ela é muitas vezes confundida, como a necessidade e
a exigência.
A necessidade visa um objeto específico e satisfaz-se
com ele. A exigência é formada e dirige-se a outrem;
embora incida ainda sobre um objeto, este não é para ela
essencial, pois a exigência articulada é no fundo
exigência de amor.
O desejo surge do afastamento entre a necessidade e a
exigência: é irredutível à necessidade porque não é
fundamentalmente relação com um objeto real,
independente do indivíduo, mas com o fantasma
(fantasia); é irredutível à exigência na medida em que
procura impor-se sem ter em conta a linguagem nem o
inconsciente do outro e exige ser reconhecido em
absoluto por ele (2)”.
(2) Lacan, J. – “Les formations de l’inconscient“ – Bul.
Psycho - 1957-1958.
3 - “O termo ‘deslocamento‘ não implica em Freud o
privilégio deste ou daquele tipo de ligação associativa
por contigüidade ou por semelhança. O lingüista Roman
Jakobson chegou a relacionar os mecanismos
inconscientes descritos por Freud com os processos
retóricos da metáfora e da metonímia, estes por ele
considerados os dois pólos fundamentais de toda a
linguagem; e foi assim que aproximou o deslocamento da
metonímia, onde é a ligação de contigüidade que está em
causa, enquanto o simbolismo corresponderia à dimensão
metafórica, onde reina a associação por semelhança (8).
J. Lacan, retomando e desenvolvendo estas indicações,
assimila o deslocamento à metonímia e a condensação à
metáfora (9); “o desejo humano é estruturado
fundamentalmente pelas leis do inconsciente e
eminentemente constituído como metonímia“.
(8) Jakobson, R. - Essais de lingüistique générale –
Minuit Ed. – 1963.
(9) Lacan, J. – La psychanalyse – PUF – 1957.
Extraído de “Língua Materna Influencia a Mente“ - O
Globo – 31/ 08/ 2010.
“Idioma teria mais
força sobre pensamento e cultura do que se acredita”
Gary
Deustcher – do New York Times.
Há 70 anos, em 1940, um
pequeno artigo em uma revista científica deu início a
uma das maiores modas intelectuais do século XX. Nem o
título do texto, “Ciência e lingüística”, nem a revista,
“Technology Review”, do MIT, eram exemplos de glamour,
muito menos o autor, um engenheiro químico que trabalhou
para uma companhia de seguros e virou antropólogo. Mas,
ainda assim, a idéia de Benjamin Lee Whorf de que a
língua
materna
influencia
e restringe o modo como as pessoas pensam seduziu muitos
e foi objeto de debates de toda uma geração.
Segundo Whorf, a língua
dos índios americanos impunha a essas populações uma
visão de mundo totalmente diferente da do resto da
sociedade americana, tornando-os incapazes de entender
conceitos para os quais não tinham palavras, como o
fluxo do tempo e a distinção entre um objeto e a ação
realizada. Durante décadas, a teoria intrigou
cientistas e leigos, dando origem a outras como as de
que a natureza dura do judaísmo estaria ligada ao tenso
sistema gramatical do hebreu antigo.
Com o tempo, no entanto,
as idéias de Whorf foram abandonadas, desmentidas pelos
fatos ou pelo puro bom senso. Seu principal erro foi
presumir que a língua, por não ter uma palavra dedicada
a um conceito, impediria as pessoas de pensarem na
direção deste determinado padrão conceitual. Por
exemplo, se uma língua não fizesse diferença na
conjugação de passado, presente ou futuro, seus nativos
não teriam a noção da passagem do tempo, e assim em
diante.
Derrubadas, as idéias de
Whorf foram imbuídas como exemplos da loucura
cientificista. Agora, porém, elas começam a ser
retomadas, embora sob novo viés. Como bem definiu o
lingüista Roman Jakobson há 50 anos, as línguas diferem
basicamente no que elas têm que comunicar, e não no que
podem comunicar. O gênero é um exemplo disso. Ao dizer
em inglês que foi visitar um vizinho, não é preciso
especificar se trata de um homem ou uma mulher. Em
francês ou alemão, porém, a informação faz parte da
frase, isto é, é preciso dizer que se visitou um vizinho
ou uma vizinha.
Ainda na questão do
gênero, muitas línguas, ao contrário do inglês, designam
um sexo a um objeto inanimado, que também costuma variar
de uma língua para outra. Desta forma, enquanto uma
ponte é feminina em alemão, é masculina em espanhol. E
estudos recentes mostram que, incutidos com esta
classificação desde cedo, um alemão e um espanhol
associam idéias diferentes para a palavra ponte.
Enquanto o primeiro deriva dela conceitos como
elegância, o segundo traz à
mente
imagens másculas, como força.
E as amostras da
influência da língua sobre o pensamento e a cultura não
param aí. Até recentemente, imaginava-se como natural
que todas as línguas tivessem indicações em direção
auto-referenciada pelos indivíduos, na forma de direita,
esquerda, à frente e atrás. Mas descobriu-se que não é
o caso. A língua aborígene Guugu Yimithirr, assim com
outras descobertas depois, contam apenas com referências
dos pontos cardeais.
Pesquisas mostram que
esta diferença faz com que os falantes de Guugu
Yimithirr, ou outra língua de referencial geográfico,
tenham uma noção e visão do espaço bem mais apurada que
uma pessoa que fala uma língua “comum”. Isso porque,
para falar estas línguas, o indivíduo deve ter todo o
tempo consciência de sua posição relativa aos pontos
cardeais. Tal consciência, construída desde cedo com
base em sinais sutis do ambiente, fazem com que pareçam
ter uma capacidade sobre-humana de orientação. E, caso
sejam levados a dois quartos de hotel idênticos, mas de
lados opostos no corredor, verão quartos diferentes,
pois um terá a cama na parede norte enquanto no outro
está no sul etc.
Jornal O
Globo
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Publicada em 31/08/2010.
Informação em Destaque:
Texto sublinhado e negrito.
Esta notícia foi
reproduzida para fins didáticos
Extraído de “O Tempo e a
Mente - O Universo Inteligente“ de Horta Santos – Nova
Era /
Record – 1998.
1 - “O Teorema de Bell permite duas possibilidades: ou
não há uma correlação entre partículas entre partículas
remotas que já interagiram no passado – acima da
correlação permitida pela troca de sinais à velocidade
da luz – e as predições da teoria quântica são falsas;
ou o princípio da Física Clássica, das causas locais é
falso. As duas possibilidades não podem ser ambas
verdadeiras”.
Ora, a experiência de Aspect (1982), repetida depois em
vários laboratórios, valida a hipótese de uma correlação
entre partículas remotas, isto é, confirma a veracidade
da interpretação quântica. Então, “o princípio das
causas locais é falso e as nossas idéias sobre o mundo
físico têm estado profundamente erradas“.
2 - “Segundo H. Stapp ‘A conversão das potencialidades
em realidades não pode ser deduzida baseando-se na
informação obtida localmente. Aceitando as idéias
habituais sobre o modo como a informação se propaga
através do espaço e do tempo, o teorema de Bell mostra
que as respostas macroscópicas não podem ser
independentes de causas distantes‘.
E, sobre a mesma surpreendente interligação entre todos
os eventos, diz David Bohm ‘... as partes parecem estar
em imediata conexão, na qual sua relação dinâmica
depende, de uma forma irredutível, do estado do sistema
completo – e certamente do estado de sistemas mais
extensos, nos quais o sistema considerado está contido,
estendendo-se (...) ao universo inteiro. Assim, somos
levados a uma nova idéia de uma totalidade indivisível
que nega a idéia clássica de se poder analisar o mundo
em partes separadas... ’
3 – “Não só perdem validade o velho cartesianismo e o
princípio das causas locais, como também o princípio de
contigüidade que é uma dos pilares da Física Clássica”.
“O mundo aparece como um prodigioso entrelaçamento, onde
o tempo e o espaço são partes da tela.“
Extraído de “O Universo Autoconsciente - Como a
Consciência Cria o Mundo Material“ de Amit Goswami (com
Richard E. Reed e Maggie Goswami) – Aleph – 2008.
1 – “Podemos, de idêntica maneira, descrever os estados
de um sistema complexo, ainda que quântico, pelos seus
denominados modos normais de excitação, por seus
‘quanta‘ ou, em termos mais gerais, por conglomerados de
modos normais. (É cedo demais para chamá-los de
‘quanta‘ mentais, embora, em uma conferência recente
sobre a consciência, a que compareci, nós nos
divertíssemos muito brincando com nomes como psicons,
mentons e assim por diante)”.
E se supusermos que esses modos normais constituem os
arquétipos mentais que mencionei antes? Jung descobriu
que arquétipos mentais possuem caráter universal, são
independentes raça, história, cultura e origem
geográfica (21). Este fato ajusta-se muito bem à idéia
de que os arquétipos junguianos são conglomerados de
‘quanta‘ universais – os chamados modos normais.
Chamarei esses estados do sistema quântico do cérebro,
constituídos desses ‘quanta‘, de ‘estados mentais
puros‘. Essa nomenclatura formal será útil mais tarde
em nossa discussão.”
(21) Jung- 1971
2 - “O importante na cadeia de Von Neumann, claro, é que
a dicotomia dos mecanismos de observação que observam o
gato de Schrödinger é ‘de cima para baixo“. O sistema
em causa é infinitamente regressivo. Não produz o
colapso de si mesmo. Procuramos em vão o colapso em uma
cadeia de Von Neumann, da mesma forma que caçamos o
valor verdade no paradoxo do mentiroso. Em ambos os
casos, terminamos em infinidades. Temos o que é
necessário para formar uma hierarquia entrelaçada.
Para cortar o nó, temos de saltar para fora do sistema e
passar para o nível inviolado. De acordo com a
interpretação idealista da mecânica quântica, a
consciência não-local atua como o nível inviolado, uma
vez que produz o colapso do cérebro-mente a partir do
espaço-tempo, acabando, dessa maneira, com a cadeia de
Von Neumann. “Dessa perspectiva, não existe um nó
gödeliano.”
3 – “É preciso compreender que o self de ‘nossa
auto-referência‘ é ‘conseqüência de uma hierarquia
entrelaçada, embora nossa consciência seja a consciência
do Ser que está além da divisão sujeito-objeto‘. Não há
no universo outra fonte de consciência. O self da
‘auto-referência e a consciência da consciência
original constituem, juntos, o que chamamos de
autoconsciência‘. “.
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