Parapsicologia RJ - Geraldo dos Santos Sarti

SOBRE O AUTISMO E A AUSÊNCIA DE METÁFORA
(DO ARQUÉTIPO NARCÍSICO PRIMÁRIO EM DIREÇÃO AO ARQUÉTIPO DO SELF)

G. S. Sarti

 

ATENÇÃO - ATTENTION – ATTENZIONE - ACHTUNG: o autor deste ensaio é parapsicólogo e não expert no assunto “autismo“, embora muita atenção tenha sido dada por ele ao  estudo amplo e cronológico do “autismo“.

Pessoas abalizadas, nas áreas das ciências neuro-psicoterápicas e pedagógicas, foram consultadas e não manifestaram nenhuma indisposição profissional com relação ao tratamento dado aqui ao tema central, muito ao contrário.

O conceito de “autismo“, formulado por Leo Kanner em 1943, aproveitando termo original de Bleuler e Freud, é aqui estudado de forma muito geral e com as especificidades casuísticas sendo praticamente abandonadas.  Por isto, talvez possa situar-se na esfera de uma “filosofia do autista“.

 

                                                Junho / Maio de 2011

 

“As palavras ou a língua, escrita ou falada, parecem não ter função alguma no mecanismo do meu pensamento.  As entidades psíquicas servindo como elementos no meu pensamento, são certos signos e imagens, mais ou menos claros, que podem ser reproduzidos e combinados intencionalmente (voluntarily).  Naturalmente, há certa conexão entre esses elementos e conceitos lógicos relevantes.  É claro, também, que o desejo de alcançar conceitos logicamente interligados constitui a base emocional desse jogo bastante livre (rather vague play) com os elementos acima mencionados. Contudo, do ponto de vista psicológico, esses jogos combinatórios parecem constituir o aspecto essencial do pensamento produtivo – antes que surja alguma ligação com construções lógicas verbais, ou outra espécie de signos que possam ser comunicados  a outros”.  Albert Einstein

Com “A Máquina de Abraçar”, peça teatral de José Sanchis Sinisterra, protagonizada por Mariana Lima, esta pôde sintetizar, sobre sua personagem autista, a concepção “... o autista não faz metáfora”.

Como é de amplo conhecimento, a metáfora, é um dos dois elementos essenciais na formação da linguagem, junto à metonímia.  As duas são as formas complementares da formação do inconsciente lingüístico de Lacan-Jakobson, consideradas as condensações metafóricas por similaridade e os deslocamentos metonímicos por contigüidade, do inconsciente freudiano.  São as duas formas da associação livre verificada por Jung.

Não absorvida pela criança, qualquer que seja a suposta causa orgânica clássica e paralela, a linguagem completa do desejo do Outro, ou a linguagem materna, ou do Supereu inconsciente, dominador sobre e pela criança desenvolvendo-se em geral na sua completude articulada e reprimida, metafórico-metonímica, o autista, ao contrário, é, unicamente, o desejo puro do Outro, a intenção “alheia”, sem a linguagem materna intermediária, e está imerso no mais puro inconsciente do autocrático Supereu, este sem repressão e outros mecanismos secundários de defesa.

É a metonímia lacaniana, que isoladamente, sem a metáfora, não se situa no registro do Simbólico e é a manifestação fundamental básica do Desejo estruturado no Inconsciente l

O autista, estando além da ordem simbólica e da linguagem, não forma o Eu sob a repressão imposta pelo Supereu.  O Eu não surge e o autista está fundido telepaticamente ao desejo do Supereu, o que não sofre repressão por ser biologicamente exterior (opinião público-social).

Entretanto, o autista é um ser, bio-cerebral local dentro da atmosfera quase não-local mental do Supereu, mais próximo do Self transpessoal e coletivo da psicologia profunda do Jung que do self psicanalítico de Hartmann e Kohut ou do selbst de Freud.

E assim, nesta atmosfera externa, telepática e empática, um ser único e isolado, estará exposto a todo tipo de influências, desde os desejos do Outro às informações fragmentadas (embora individualmente pré - articuladas pela síntese-memória-pré consciência Pcs)  mas aglutinadas nestes desejos.  Neste sentido, o autista é um telepata, extraordinariamente conhecedor do que está além de si, do que está fora das incapacidades perceptivas dos seres conceituais, reprimidos e falantes como nós.  O autista é espacial.  Esta é sua especialidade.

Toda a seletividade e percepção parcial autística da informação  fragmentada mas aglutinada no desejo geral torna-se decorrência da não funcionalidade paranormal em termos de complemento bio-cerebral atual, haja vista que o recrutamento neural, cortical, dispararia e desorganizaria totalmente a atividade eferente, tal como a hiperatividade que os acompanha, em geral, e que resulta em comportamentos estereotipados e repetitivos, como forma automática  em circuito de “auto”- controle, equilíbrio e homeocinese .

Em síntese, o autista é localmente cerebral imerso em um conjunto mental não-local para ele (ou quase - não local no sentido físico).  Deve ser dito que a não-localidade envolve o tempo, também não-local e, neste sentido, o autista é também precognitivo / psicocinético, dentro do sistema em que se encontra.

 No mínimo, o autista é um ser humano quântico e poderia ser endeusado e “ouvido” em seu mutismo expressional.  A difícil aquisição da linguagem materna o transformaria em um psicótico.  Mas, como ouvi-lo enquanto ele mesmo?  O que nos seria revelado?

Em outros termos, a associação por contigüidade prevalece sobre a associação sintética por semelhança, e os objetos da mente autística são sempre parciais e seletivos das informações individuais simbolicamente articuladas (pré-conscientes próximas do sistema Cs) que estão desagregadas entre si mas  metonimicamente  suspensas ou suprimidas no desejo do Outro e não pelos mecanismos repressivos do ego.

 A expressão interna do autista torna-se, assim, impossível de ser formulada por ele, de maneira inteligível para os “falantes conceituais” sob repressão e mecanismos secundários de defesa do ego (articulações lógico - lingüísticas).

Neste sentido, o autista estaria além das nossas possibilidades de conceituação.  Habituais.

 A introdução forçada e repressora, através da educação e da terapia, da metáfora associativa, em uma matriz autística dela desprovida, (muito difícil de ser alcançada), e uma conseqüente erupção do sujeito oral, de  tal forma que possibilite a prova de realidade ao ego-consciente, repito, a pretensa “cura”  clássica de uma característica em ascensão, não deverá ter outro destino que não a psicose.  Lacan deixa isto parcialmente claro em Écrits, “D’une Question Préliminaire à Tout Traitement  Possible de La Psychosis“,  pág. 577, traduzida por Nasio, J.D.  em “La Forclusion Locale: Contribution à la Théorie Lacanienne de la Forclusion“ como sendo: - “Para que a psicose se desencadeie, é preciso que o Nome do Pai,  foracluído, jamais vindo no lugar do Outro, seja chamado aí em oposição simbólica ao sujeito”. (Talvez esta descrição lacaniana possa ser melhor compreendida sob o nome de ‘psicose simbiótica’)

A predominância marcadamente metonímica no autismo, impeditiva das associações por similaridade e do vislumbre da prova do Real, conduz o autista a viver o inconsciente puro, saltando para cima um sujeito completamente narcísico e primário, sem noção da dor biológica e da sobrevivência (não deverá sentir nem a dor biológica nem a necessidade, do Outro).  Por isso aparenta frieza e desprezo expressionais e inadaptabilidade social.

Um esquema psicanalítico mental de referência seria:

→  ID   → EGO →→→   ← SUPEREGO

      ↓          ↓                               ↓

−−− −−−−−− SELF-OBJETO−−−−−−−−−−−

 

O esquema da mente autista seria como a seguir:

 

→→ ID PRÉ-NATAL→→→→  ← SUPEREGO

                   ↓                                          ↓                  

−−−−−−−−−OBJETO−−−−−−−−−−−−−−−−SELF TRANSPESSOAL UNIVERSAL NÃO - LOCAL −−−− VÁCUO i

 

Esta característica espacial, que está sendo considerada uma “capacidade superior”, pode ser descrita, do lado de fora, por nós, como perceptiva  e transgressora da 2ª ordem das informações coletivas do inconsciente tirânico superegóico   e  mais além, na direção de uma  3ª ordem ditada pelo arquétipo transpessoal.  Para mais, só poderá ser encontrada a gama infinita de símbolos ao acaso, informações e probabilidades quânticas, que pode ser considerada como um nível adimensional a que normalmente ou conceitualmente não se teria acesso pela ausência de qualquer sistema que seja, nem mesmo associado ao desejo e que poderá ser confundido com o vácuo.

Traçando uma analogia futebolística, “o autista é um ser que, estando em um jogo de futebol, desconhece as regras do futebol, é o objeto do desejo da torcida, sabe tudo o que está suprimido dentro deste desejo, inclusive o resultado do jogo, mas não o revela, por desconhecer suas regras”.  E, por desconhecê-las, as supera.

Devemos acrescentar, finalmente, que o conteúdo deste ensaio tem respaldo concreto em alguns aspectos científicos pontuais, mas dignos de consideração, tais como:

A-    O conceito de mãe-geladeira de Kanner, associado à síndrome, tomado, não no sentido da frigidez materna, mas no da ausência de intermediação lingüística entre a mãe e o filho.  Ao contrário, o chapamento amoroso entre ambos prevalece sobre a interlocução e a ordem simbólica completa e, fica claro que o desejo materno de inseparabilidade é fundamental.   Talvez tenha-se que rever muito sobre o desejo  feminino de ter um filho e sobre a própria natureza psicológica da mulher.

B-    O desempenho e o interesse superiores dos autistas nos testes psicométricos não-verbais de alta performance e criatividade (conforme Butcher) de Wechsler.  Mais especificamente, seus rendimentos elevados em WAIS III e WISC III, para Cubos e Percepção Tridimensional (provavelmente incluindo raciocínio matricial em Wechsler).

C-   A não aplicabilidade, óbvia, dos testes verbais de Binet - Simon e suas variantes alpha e beta Stanford - Binet para as forças armadas norte-americanas, como  formas de mensuração de QI dos autistas.  Os novos tipos de testes psicométricos, introduzidos por Spearman para gradação de um fator G de inteligência geral, e suas variações de Cattel e Raven - matricial, são fortemente criticáveis, como por exemplo em Gardner - 1993 sobre “gênios” (gifted), ou por não detectarem habilidades intelectuais específicas ou por não considerarem a memória de longo prazo,  elementos altamente desenvolvidos  nos autistas.  Treffert, em 2009, em suas pesquisas sobre as Savant Disorders, encontrou que 50% dos sábios savants  (conhecedores isolados muito específicos) são autistas, com inegáveis capacidades artísticas, espaciais e  mnemônicas, ou pré-conscientes de informações.  Treffert, pondo o autista como  elemento único de sua atenção, encontrou que 10% deles apresentam inequívocas habilidades de sábios savants.  O enfoque de Treffert é marcantemente fenomenológico, colocando o autista como entidade psíquica única dentro do universo das possibilidades mentais.                              

D-   A plena concordância com as abordagens neurobiológicas de Hutt e Hutt, de 1964 a 1970, sobre  o chamado “hyper-arousal  approach”, o superdesenvolvimento  neural fetal, a participação sistêmica da ativação reticular ascendente como contato  pouco  seletivo do pobre ambiente amniótico e a ausência consentânea de estimulação precoce, basicamente com hipervalorização  dos batimentos cardíacos  e sons maternos e das décalages e encapsulamentos DIP com possível sofrimento fetal (ou embrionário), e  introjeção superlativa dos estímulos ex-utero e do próprio exterior abdominal.   A superinclusão informacional deste feto designa um canal espacial tipicamente telepático com o exterior e provavelmente, com a própria mente materna (canal aberto ou channeling).  Seria como um ente local receptivo – perceptivo do conteúdo hiperdimensional da bolha hiperesférica materna que o contém e com a qual está unido pelo desejo exclusivo da mãe.

E-    A sugestão de Hutt e Hutt de evitação (avoidance) de mecanismos externos supressores ou repressivos da livre manifestação autística, como tentativas errôneas de “curá-los”.

F-    A evidência histórica e, algumas vezes hipotética, de que gênios - gifted publicamente festejados com alto desempenho como, Newton, Joyce Everett III, Wiener, Michelangelo, Chico Xavier, Wittgenstein Mozart, Majorana, Garrincha, Dirac, Kubrick, Darwin, Thomas Jefferson etc., e o próprio Einstein, foram ou teriam sido autistas Asperger - Kanner  de alto funcionamento.

E, não devemos esquecer que na ordem do tempo:

“O fluxo do tempo é uma ilusão aborrecida e persistente“  Albert Einstein - AE.

 

CITAÇÕES E REFERÊNCIAS PERTINENTES AO TEXTO
SOBRE O AUTISMO E A AUSÊNCIA DE METÁFORA
(DO ARQUÉTIPO NARCÍSICO PRIMÁRIO EM DIREÇÃO AO ARQUÉTIPO DO SELF)

Por G.S.Sarti

 

Extraído de “Análise do Self“, de Heinz Kohut – Imago Editora – 1988.

 

1 – “O tema do narcisismo, isto é, da catexia do self (Hartmann) é bastante vasto e importante, uma vez que se pode com razão dizer que se refere à metade do conteúdo da mente humana - a outra metade constituindo, naturalmente, os objetos“.

2 – “... as noções de self, e por outro lado, de ego, superego e id, bem como as de personalidade e identidade, são abstrações que pertencem a níveis diferentes de formação conceitual. O ego, o id e o superego são os componentes na  psicanálise de uma abstração específica de alto nível, isto é, distante  da experiência: o aparelho psíquico.  Personalidade, embora muitas vezes útil no sentido geral, como identidade, não é inerente á psicologia psicanalítica; pertence a uma estrutura teórica diferente, que está mais de acordo com observação do comportamento social e com  a descrição da experiência (pré-consciente) da própria prova na interação com os outros do que com as observações da psicologia profunda“.

3 – “O self, entretanto, surge na situação psicanalítica e é conceituado na forma de uma abstração  psicanalítica de um nível relativamente baixo, isto é, relativamente próxima à experiência, como um conteúdo do aparelho mental. Embora não seja, dessa forma, uma instância da mente, é uma estrutura dentro da mente, pois  a) está catetizado com energia instintiva e b) tem continuidade no tempo, isto é, é duradouro.  Sendo uma estrutura os´quica, o self tem também, além disso, uma localização psíquica.  Mais especificamente,  várias – e freqüentemente inconsistentes – representações do self estão presentes não somente no id, no ego e no superego, mas também dentro de uma única instância da mente.  Podem existir, por exemplo, representações contraditórias do self, conscientes e pré-conscientes – por exemplo, de grandiosidade e inferioridade – lado a lado, ocupando locais delimitados dentro do ego ou posições setoriais na esfera da psique na qual o id e o ego formam um contínuo.  O self, assim, bastante análogo às representações dos objetos, é um conteúdo do aparelho mental, mas não é um dos seus constituintes, isto é, não é uma das instâncias da mente“.

 

Extraído de “Vocabulário da Psicanálise“, de J. Laplanche e J.– B. Pontalis – Martins Fontes Editora – 1977.

1 - “Mais tarde, com a elaboração da segunda tópica Freud exprime pelos termos ‘narcisismo primário‘ sobretudo um primeiro estado da vida, anterior até à constituição de um ego, e de que a vida intra-uterina seria o arquétipo (4).  A distinção entre o auto-erotismo e o narcisismo é então suprimida.  Não é fácil ver, do ponto de vista tópico, o que é investido no narcisismo primário entendido desta forma.

Esta última acepção do narcisismo primário prevalece correntemente nos nossos dias no pensamento psicanalítico, o que resulta numa limitação do significado e do alcance do debate: quer se aceite ou se recuse a noção, designa-se sempre assim um estado rigorosamente ‘anobjetal‘, ou, pelo menos ‘indiferenciado‘, sem clivagem entre um sujeito e um mundo exterior“.

 (4) Freud. S.- Vorlesungen zur  Einfübrung in die Psychoanalyse , 1916-1917.

                              

2 - “J. Lacan procurou recentrar a descoberta freudiana na noção de desejo e recolocar esta noção no primeiro plano da teoria analítica.

Nesta perspectiva, foi levado a distinguir noções com que ela é muitas vezes confundida, como a necessidade e a exigência.

A necessidade visa um objeto específico e satisfaz-se com ele.  A exigência é formada e dirige-se a outrem; embora incida ainda sobre um objeto, este não é para ela essencial, pois a exigência articulada é no fundo exigência de amor.

O desejo surge do afastamento entre a necessidade e a exigência: é irredutível à necessidade porque não é fundamentalmente relação com um objeto real, independente do indivíduo, mas com o fantasma (fantasia); é irredutível à exigência na medida em que procura impor-se sem ter em conta a linguagem nem o inconsciente do outro e exige ser reconhecido em absoluto por ele (2)”.

(2) Lacan, J. – “Les formations de l’inconscient“ – Bul. Psycho - 1957-1958.

 

3 - “O termo ‘deslocamento‘ não implica em Freud o privilégio deste ou daquele tipo de ligação associativa por contigüidade ou por semelhança.  O lingüista Roman Jakobson chegou a relacionar os mecanismos inconscientes  descritos por Freud com os processos retóricos da metáfora e da metonímia, estes por ele considerados os dois pólos fundamentais de toda a linguagem; e foi assim que aproximou o deslocamento da metonímia, onde é a ligação de contigüidade que está em causa, enquanto o simbolismo corresponderia à dimensão metafórica, onde reina a associação por semelhança (8).

 J. Lacan, retomando e desenvolvendo estas indicações, assimila o deslocamento à metonímia e a condensação à metáfora (9); “o desejo humano é estruturado fundamentalmente pelas leis do inconsciente e eminentemente constituído como metonímia“.

(8)  Jakobson, R. -  Essais de lingüistique générale – Minuit Ed. – 1963.

(9)  Lacan, J. – La psychanalyse – PUF – 1957.

 

Extraído de “Língua Materna Influencia a Mente“ - O Globo – 31/ 08/ 2010.

“Idioma teria mais força sobre pensamento e cultura do que se acredita”

Gary Deustcher – do New York Times.

Há 70 anos, em 1940, um pequeno artigo em uma revista científica deu início a uma das maiores modas intelectuais do século XX.  Nem o título do texto, “Ciência e lingüística”, nem a revista, “Technology Review”, do MIT, eram exemplos de glamour, muito menos o autor, um engenheiro químico que trabalhou para uma companhia de seguros e virou antropólogo.  Mas, ainda assim, a idéia de Benjamin Lee Whorf de que a língua materna influencia e restringe o modo como as pessoas pensam seduziu muitos e foi objeto de debates de toda uma geração.

Segundo Whorf, a língua dos índios americanos impunha a essas populações uma visão de mundo totalmente diferente da do resto da sociedade americana, tornando-os incapazes de entender conceitos para os quais não tinham palavras, como o fluxo do tempo e a distinção entre um objeto e a ação realizada.  Durante décadas, a teoria intrigou cientistas e leigos, dando origem a outras como as de que a natureza dura do judaísmo estaria ligada ao tenso sistema gramatical do hebreu antigo.

Com o tempo, no entanto, as idéias de Whorf foram abandonadas, desmentidas pelos fatos ou pelo puro bom senso.  Seu principal erro foi presumir que a língua, por não ter uma palavra dedicada a um conceito, impediria as pessoas de pensarem na direção deste determinado padrão conceitual.  Por exemplo, se uma língua não fizesse diferença na conjugação de passado, presente ou futuro, seus nativos não teriam a noção da passagem do tempo, e assim em diante.

Derrubadas, as idéias de Whorf foram imbuídas como exemplos da loucura cientificista.  Agora, porém, elas começam a ser retomadas, embora sob novo viés.  Como bem definiu o lingüista Roman Jakobson há 50 anos, as línguas diferem basicamente no que elas têm que comunicar, e não no que podem comunicar.  O gênero é um exemplo disso.  Ao dizer em inglês que foi visitar um vizinho, não é preciso especificar se trata de um homem ou uma mulher. Em francês ou alemão, porém, a informação faz parte da frase, isto é, é preciso dizer que se visitou um vizinho ou uma vizinha.

Ainda na questão do gênero, muitas línguas, ao contrário do inglês, designam um sexo a um objeto inanimado, que também costuma variar de uma língua para outra.  Desta forma, enquanto uma ponte é feminina em alemão, é masculina em espanhol.  E estudos recentes mostram que, incutidos com esta classificação desde cedo, um alemão e um espanhol associam idéias diferentes para a palavra ponte.  Enquanto o primeiro deriva dela conceitos como elegância, o segundo traz à mente imagens másculas, como força.

E as amostras da influência da língua sobre o pensamento e a cultura não param aí.  Até recentemente, imaginava-se como natural que todas as línguas tivessem indicações em direção auto-referenciada pelos indivíduos, na forma de direita, esquerda, à frente e atrás.  Mas descobriu-se que não é o caso.  A língua aborígene Guugu Yimithirr, assim com outras descobertas depois, contam apenas com referências dos pontos cardeais.

Pesquisas mostram que esta diferença faz com que os falantes de Guugu Yimithirr, ou outra língua de referencial geográfico, tenham uma noção e visão do espaço bem mais apurada que uma pessoa que fala uma língua “comum”. Isso porque, para falar estas línguas, o indivíduo deve ter todo o tempo consciência de sua posição relativa aos pontos cardeais.  Tal consciência, construída desde cedo com base em sinais sutis do ambiente, fazem com que pareçam ter uma capacidade sobre-humana de orientação.  E, caso sejam levados a dois quartos de hotel idênticos, mas de lados opostos no corredor, verão quartos diferentes, pois um terá a cama na parede norte enquanto no outro está no sul etc.

 

 Jornal O Globo | Publicada em 31/08/2010.

Informação em Destaque: Texto sublinhado e negrito.

Esta notícia foi reproduzida para fins didáticos

 

Extraído de “O Tempo e a Mente - O Universo Inteligente“ de Horta Santos – Nova Era / Record – 1998.

1 - “O Teorema de Bell permite duas possibilidades: ou não há uma correlação entre partículas entre partículas remotas que já interagiram no passado – acima da correlação permitida pela troca de sinais à velocidade da luz – e as predições da teoria quântica são falsas; ou o princípio da Física Clássica, das causas locais é falso. As duas possibilidades não podem ser ambas verdadeiras”.

Ora, a experiência de Aspect (1982), repetida depois em vários laboratórios, valida a hipótese de uma correlação entre partículas remotas, isto é, confirma a veracidade da interpretação quântica.  Então, “o princípio das causas locais é falso e as nossas idéias sobre o mundo físico têm estado profundamente erradas“.

2 - “Segundo H. Stapp ‘A conversão das potencialidades em realidades não pode ser deduzida baseando-se na informação obtida localmente.  Aceitando as idéias habituais sobre o modo como a informação se propaga através do espaço e do tempo, o teorema de Bell mostra que  as respostas macroscópicas não podem ser independentes de causas distantes‘.

E, sobre a mesma surpreendente interligação entre todos os eventos, diz David Bohm ‘... as partes parecem estar em imediata conexão, na qual sua relação  dinâmica  depende, de uma forma irredutível, do estado do sistema completo – e certamente do estado de sistemas mais extensos, nos quais o sistema considerado está contido, estendendo-se (...) ao universo inteiro.  Assim, somos levados a uma nova idéia de uma totalidade indivisível que nega a idéia clássica de se poder analisar o mundo em partes separadas... ’

3 – “Não só perdem validade o velho cartesianismo e o princípio das causas locais, como também o princípio de contigüidade que é uma dos pilares da Física Clássica”.

“O mundo aparece como um prodigioso entrelaçamento, onde o tempo e o espaço são partes da tela.“

 

Extraído de “O Universo Autoconsciente - Como a Consciência Cria o Mundo Material“ de Amit Goswami (com Richard E. Reed e Maggie Goswami) – Aleph – 2008.

1 – “Podemos, de idêntica maneira, descrever os estados de um sistema complexo, ainda que quântico, pelos seus denominados modos normais de excitação, por seus ‘quanta‘ ou, em termos mais gerais, por conglomerados de modos normais.  (É cedo demais para chamá-los de ‘quanta‘ mentais, embora, em uma conferência recente sobre a consciência, a que compareci, nós nos divertíssemos muito brincando com nomes como psicons, mentons e assim por diante)”.

E se supusermos que esses modos normais constituem os arquétipos mentais que mencionei antes? Jung descobriu que arquétipos mentais possuem caráter universal, são independentes raça, história, cultura e origem geográfica (21). Este fato ajusta-se muito bem à idéia de que os arquétipos junguianos são conglomerados de ‘quanta‘ universais – os chamados modos normais. Chamarei esses estados do sistema quântico do cérebro, constituídos desses ‘quanta‘, de ‘estados mentais puros‘.  Essa nomenclatura formal será útil mais tarde em nossa discussão.”

(21) Jung- 1971

2 - “O importante na cadeia de Von Neumann, claro, é que a dicotomia dos mecanismos de observação que observam o gato de Schrödinger é ‘de cima para baixo“.  O sistema em causa é infinitamente regressivo.  Não produz o colapso de si mesmo.  Procuramos em vão o colapso em uma cadeia de Von Neumann, da mesma forma que caçamos o valor verdade no paradoxo do mentiroso.  Em ambos os casos, terminamos em infinidades.  Temos o que é necessário para formar uma hierarquia entrelaçada.

Para cortar o nó, temos de saltar para fora do sistema e passar para o nível inviolado. De acordo com a interpretação idealista da mecânica quântica, a consciência não-local atua como o nível inviolado, uma vez que produz o colapso do cérebro-mente a partir do espaço-tempo, acabando, dessa maneira, com a cadeia de Von Neumann.  “Dessa perspectiva, não existe um nó gödeliano.”

3 – “É preciso compreender que o self de ‘nossa auto-referência‘ é ‘conseqüência de uma hierarquia entrelaçada, embora nossa consciência seja a consciência do Ser que está além da divisão sujeito-objeto‘. Não há no universo outra fonte de consciência.  O self da ‘auto-referência  e a consciência da consciência original constituem, juntos, o que chamamos de autoconsciência‘. “.